Pense em algo. Agora conecte-se a um aparelho de eletroencefalograma (EEG). O padrão de imagem que lá aparece implica que esta seja uma evidência de que o cérebro esteja produzindo a mente?
Fisicalismo e Pampsiquismo
A cosmovisão científica é baseada em premissas que se apoiam, em sua maioria, na Física Clássica, onde natureza e matéria são quase sinônimos. A isto se correlaciona a ideia de que fenômenos complexos possam ser reduzidos às suas interações fundamentais, como partículas subatômicas, ou unidades básicas como um neurônio ou gene, que engendram mecanismos mais complexos. Tais concepções foram altamente bem sucedidas em estabelecer não apenas o atual ponto do conhecimento humano sobre a natureza, mas também os grandes avanços tecnológicos da sociedade contemporânea. A teoria moderna da evolução busca fornecer um panorama geral de como a existência e o desenvolvimento da vida poderia ser uma consequência das equações da física de partículas, o que, em última instância, poderia incluir uma explicação para o funcionamento do cérebro e das capacidades cognitivas que habilitam os seres humanos a fazerem suas descobertas.
Icon made by Pixel perfect from www.flaticon.com
Mas os cientistas de hoje podem não precisar tanto assim das partículas, pois a própria física se encontra dominada por outro modelo intelectual. Embora Claude Shannon não estivesse pensando em física quando elaborou sua Teoria Matemática da Comunicação, depois dele a Ciência cogita se não seria o bit a unidade fundamental do universo, uma partícula de outro tipo, sem substância, mais elementar que a própria matéria em si.1,2
Sob essa luz, as leis da física seriam não mais que meros algoritmos, apoiados sobre essa “matéria” primordial, a informação. Surge então a analogia do cérebro como um computador, que armazena em si as memórias e comanda as experiências, e que vê no pensamento não mais que o resultado de complexa computação, como no desajeitado robô programado geneticamente de Richard Dawkins. De acordo com essa visão, o pensamento emerge como um epifenômeno, um produto ocasional de um fenômeno primário desconhecido, que reside no cérebro. Isto é, a mente é o cérebro, e o pensamento nada mais é do que atividade cerebral.
Mas isso pode gerar mais problemas do que soluções acerca do livre-arbítrio e da consciência, alguns deles quase insolúveis. do ponto de vista filosófico. Consideremos então a questão: uma pessoa “pensando em algo” e sua respectiva imagem em um eletroencefalograma (EEG) implica, necessariamente, que esta seja uma evidência de que o cérebro esteja produzindo a mente?
Sabemos que correlação não implica diretamente em causalidade, e a visão tradicional do “cérebro computador” apenas presume que este seja um fato. Por exemplo, há uma correlação de 95,86% entre o consumo médio de mussarela e o de teses de doutorado Engenharia Civil defendidas nos Estados Unidos entre 2000 − 2009.3 Seria absurdo admitir uma como a causadora da outra. Isto é, onde há causalidade existe sempre correlação, mas nem sempre o contrário é verdadeiro.
Sendo assim, alguns estudos buscam evidências mais fortes de que o cérebro seja realmente capaz de produzir (ou não) a mente. Afinal, o pensamento tem livre escolha ou é apenas produto da máquina eletroquímica? Um cérebro mecânico age mecanicamente?
A pergunta está sujeita a infindáveis considerações e dificilmente terá uma resposta consensual. Fato é, contudo, que o elegante conceito de epifenômeno pode levar a visão tradicional a uma posição no mínimo constrangedora: se o pensamento é um subproduto emergente do processamento cerebral, e o cérebro é formado pelos átomos e todas as sub-partículas que o compõem, decorre que toda matéria poderia ser, em última instância, consciente. Em outras palavras, a visão extrapolada da consciência como um epifenômeno transporta o “cérebro clássico” diretamente à noção de pampsiquismo. O pampsiquismo tem origem na palavra grega pan (em todo lugar), e psique (alma), e é o princípio segundo o qual todo o universo poderia ter algum tipo de consciência. Isto não significa dizer que uma pedra, uma cadeira, o Sol ou os planetas poderiam ter algum tipo de consciência, mas sugere que os seus componentes fundamentais e os próprios objetos em si, por extensão, poderiam vivenciar algum aspecto de fenômeno “mental” elementar. Formas mais complexas de “mente” emergiriam, assim, em organizações mais complexas, como no cérebro dos seres humanos e animais superiores.
Obviamente que a posição não é unânime, e soluções mais pragmáticas chegam considerar que a consciência não existe em hipótese alguma e que a abordagem mecanicista é, por certo, a melhor alternativa, em que a consciência é mera ilusão, o que não responde muita coisa. Esta saída se assemelha à solução trivial de uma equação algébrica – aquela em que o valor das variáveis é igual a zero – que é mais uma forma de se esquivar do assunto do que uma solução satisfatória.
-
Shannon, C. E. A symbolic analysis of relay and switching circuits. Transactions of the American Institute of Electrical Engineers, v. 57, n. 12, pp. 713–723, 1938. ↩
-
A Mathematical Theory of Communication. Bell System Technical Journal, v. 27, n. 3, pp. 379–423, 1948. ↩
-
Ver em https://www.tylervigen.com/spurious-correlations ↩