E se a realidade objetiva fosse como um holograma, um quadro pintado nas fronteiras do universo?
O elemento Terra engendrado a partir de um cubo na obra de Kepler (Prodromus dissertationum cosmographicarum, de 1596
Teoria Holográfica
No início dos anos 1970, Wheeler e Christodoulou (que era aluno de pós-graduação, orientado por Wheeler) haviam demonstrado que a área total do horizonte de eventos de um buraco negro (o ponto de não retorno) não diminuía, o que levou Jacob Bekkenstein, outro aluno de Wheeler, a conjecturar que a entropia máxima de qualquer sistema, inclusive um buraco negro, poderia ser proporcional a área do seu horizonte de eventos, uma generalização da segunda lei da termodinâmica, que o permitiu calcular a entropia máxima de qualquer sistema.
Na década de 1980, Gerardus’t Hooft tentava solucionar o paradoxo da informação de Stephen Hawcking, que surgiu após sua segunda grande descoberta, a de que os buracos negros “evaporavam-se”, i.e, emitiam radiação. Mas para onde ía a entropia que entrava no horizonte de eventos de um buraco negro, sendo que ela não poderia sair dele por exigir uma velocidade supraluminal? Hooft havia sugerido que o problema poderia ser descrito a partir de uma física com dimensão inferior, o que levou e Leonard Susskind, no início dos anos noventa, a demonstrar que a quantidade máxima de entropia em uma região do espaço era proporcional à área daquela região, e não o seu volume, como seria de se esperar. A “solução conjectural” de Susskind, proposta em 1995, compõe parte de uma teoria que tem como região limítrofe a chamada fronteira holográfica.1
Hooft seria agraciado com o prêmio Nobel de física em 1999, junto a Martinus J. G. Veltman, pelo seu trabalho com a estrutura quântica de interações eletrofracas, mas na década de 1980 essa “mágica visual” (1, p. 3) seria inspiração a analogia física de Susskind, que, se verdadeira, poderia ser aplicada à descrição completa de qualquer sistema que ocupa uma região tridimensional (3D), como se o universo visível pudesse ser descrito como um grande holograma, “pintado” em uma fronteira vasta e distante.
À grosso modo, um holograma é um tipo especial de “fotografia”, que gera uma imagem tridimensional completa quando iluminada de determinada maneira. Isto é, toda a informação que descreve o cenário 3D é codificada em um padrão de áreas iluminadas e escuras em um pedaço de filme bidimensional. Uma outra maneira de entender um holograma é como uma forma de compactar uma informação, de forma que possa ser armazenada ou transmitida.
Essa ideia levou Jacob Bekkenstein, nos anos 2000, a propor outra hipótese, a partir de uma analogia entre entropia e informação, a demonstrar que seria então possível não apenas descrever uma informação do espaço como se este fosse um holograma, mas também calcular sua quantidade em bits.
Se, por exemplo, alguém desejar saber quanta “informação” existe em uma banheira contendo água – i.e., a posição e a velocidade de cada átomo individualmente – seria possível deixar a banheira vazia e adicionar gradativamente gota por gota de água. Naturalmente conclui-se que o total de informação seja proporcional ao volume de água na banheira. Agora troque a palavra “banheira” por “buraco negro”. Dadas as dimensões de um buraco negro, a informação “escondida” só poderia ser contabilizada por uma teoria como a Mecânica Quântica, que lida com o extremamente pequeno.
Então, uma gota de água seria comparável a uma partícula elementar, como um fóton ou outra partícula qualquer, e a entropia – a posição e velocidade das partículas – seria medida de maneira discreta, em unidades separadas, como partículas ou bits de informação. Considerando que se “encha a banheira”, i.e., se aumente o volume de um buraco negro ao adicionar aos poucos tais partículas, ainda se esperaria o mesmo resultado, que o total de informação seja proporcional ao volume.
O que se demonstrou, porém, foi que a expectativa natural não se satisfaz, o que equivale dizer a quantidade máxima de bits de informação “escondida” depende não de seu volume, mas de sua área superficial, que é igual a área do horizonte de eventos, o chamado ponto de não retorno, que é aproximadamente uma unidade de Planck.2
As unidades naturais ou de Planck formam um sistema criado em 1899 por Max Planck, que consiste em medir as diversas magnitudes fundamentais da natureza por meio de uma série de “constantes” universais. Isto é, tempo, comprimento, massa, carga elétrica, temperatura etc. são expressas a partir da velocidade da luz $c$ (com dimensão $L/T$), da constante de gravitação $G$ (com dimensão $L^{3}/T^{2}M$), da constante de força de Coulomb $\frac{1}{4 \pi \epsilon_{0}}$ (com dimensão $M L^{3}/Q^{2} T^{2}$), da constante de Boltzman $k$ (com dimensão $M L^{3}/T^{2}K$) e, por último, da constante reduzida de Planck $\hbar= \frac{h}{2 \pi}$ (com dimensão $ML^{2}/T$). O sistema é definido fazendo-se com que estas cinco grandezas assumam valor unitário ao serem expressas. Assim, a área do horizonte de eventos é algo próximo a $1A= \frac{G}{hc^{3}} \approx 10^{-66} cm^{2}\,,$ que é uma área muito pequena.
Uma outra forma de ver isto é imaginar que se empilharmos uma certa quantidade de memórias de computador, o número de transistores – que representa a capacidade de armazenamento de dados– cresceria com o volume da pilha, mas a capacidade de armazenar informação cresceria apenas até determinado ponto. Depois desse limite, a capacidade máxima de armazenar informações cresceria não com o volume, mas apenas com a área superficial.
Com o volume crescendo numa taxa maior que a área superficial, em algum ponto, antes de se atingir o limite holográfico, a própria pilha entraria em colapso sob sua própria gravidade, formando um buraco negro. Isto é, a teoria propõe, de certa forma, que uma outra física definida em alguma “fronteira” 3D remota seria capaz de descrever um cenário físico quadridimensional, que é como nosso universo observável aparenta ser, com três dimensões espaciais e uma temporal (ver em 2, p. 71). Assim, tem-se o enunciado do princípio holgráfico: A quantidade de informação em uma região do espaço é proporcional à àrea daquela região.